"Vejo a Praça da Matriz, em Pôrto Alegre, desandar para as feições que ainda mostrava aos meus olhos de menino e môço. Mas é claro que estas praças vão mudando, enquanto a gente mudou. Nesse jôgo vertiginoso, mudam as cousas por dentro e por fora, e, ao passo que as paisagens lentamente se desmancham, recompostas noutra forma, também o espectador vai trocando de alma e de pele, apesar de conservar o mesmo nome, confiado nas certidões do registro civil. O eu da gente é um inquilino que se imagina dono de si mesmo, proprietário do nariz, e dentro dele moram não sei quantos locatários irresponsáveis, que acabam estragando a casa. De vez em quando, ao cair do último andar do seu devaneio, o dono de si mesmo descobre que foi logrado, vagamente se dá conta de um embuste... 'Muda, muda, que eu também já mudei", dizem-lhe as casas, as ruas, as posturas municipais. E de mudanças vamos vivendo, enquanto não vem a hora da grande mudança".
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Augusto Meyer, No tempo da flor