terça-feira, 30 de janeiro de 2007

adeus 3

"[...] Adeus pois, Taís! Vai para onde te conduzem os poderes secretos da tua natureza e do teu destino. Vai, e leva para o longe os votos de Nícias. Conheço a inanidade deles; mas posso dar-te coisa melhor que as penas estéreis e os vãos vôos por preços de ilusões deliciosas que me envolviam outrora nos teus braços e de que me resta a sombra? Adeus minha benfeitora! Adeus, bondade que se ignora, virtude misteriosa, volúpia dos homens! Adeus ó mais adorável das imagens que a natureza lançou para um fim desconhecido sobre a face deste mundo enganador.
[...] Adeus! Taís: em vão tu me esquecerás, visto que eu guardo a tua lembrança."
;
Anatole France, Taís

rum(in)o

na horta
sem prévio aviso
naquela de um dois
deixa nada pra depois
assim improviso
na hora
cadernos vãos em branco
não desbasto mais palavra
tanto.

pânico na veraneio

Eu sonhei que a gente se amava escondido dentro de um camburão. O gordo de quepe quase nos pegou no flagra.

tragédia

Eu é que não assino este beó sozinho!

segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

cheiro

Ela me abre o apetite depois de me abrir as pernas...

perto do morro do mijão

Era um balanço de pneu num abacateiro. A gente via longe a sete-léguas pra fora da terra, ao pé do pé de cidra, depois do mandiocal. Tio Nêgo enterrou o cara lá.

uísque

Como diria Cabral: "A verdadeira liberdade não é seguir os impulsos, mas obedecer as escolhas que fizemos para nós mesmos".

lei da física

Gravidade: um montão de gente assim de ponta-cabeça que teima em ficar de pé. Coisa de louco-lúcido!

oráculo

balança que nada medeia
hoje cega em venda
(malditos mestres alemães)
espada cravada no peito
temido instinto reflexo
titã ou títere?
.
nem zeus perdoou

sábado, 27 de janeiro de 2007

depois do começo

E assim, dizendo pensar no filho, é que eles perderam o respeito um pelo outro. O garoto teve consciência, passou a odiar os próprios pais. As relações humanas de maneira geral.

rosa

A perda da razão nunca é inocente.

meio classificado esquisito de memória

Que tipo de mosca procura esfirra armênia?

sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

Meu coração não passa pela faringe. Falta-me ar (ato reflexo, epiglote lacrada). Preciso vomitar logo!

quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

s(a/e)de

unhas cravadas, gozo iminente
o vermelho por sobretudo

mirante amarelo

Enquanto brincava de gude no terreiro o menino desaprendia o território livre das minhocas.
Um cheiro de mangas apodrecendo misturava-se ao do ribeirão poluído.
Nele, bagres cresciam entre seringas e merdas das gentes da cidade.
Na beira, bichos geográficos habitaram seus pés em pescaria - ah, os porcos.
O harém das bananeiras tinha janela pra cozinha da preta Maria, mangarás fundo céu.
Chaminé cerâmico coloria de negro lenhoso a caiação da parede do fogão, outro fundo.
Haviam latas e plásticos coloridos reunidos em montinhos ali no fundo do terreno.
...
Vovô altaneiro, da varanda das refeições montada sobre o mágico porão.

calendários mutantes

Hoje por razões que aqui não cabem voltei a pensar naquela idéia já discutida com alguns amigos: cada um devia ganhar quando nasce um calendário próprio, acompanhado de uma hidrográfica de ponta grossa. Dele riscaríamos as datas absolutas de determinados anos, evitando sua memória nos subseqüentes. E como dica para evitar o envelhecimento precoce em função da diminuição gradativa de dias na folhinha, apagaríamos logo o do aniversário: seríamos eternos!

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

mais estranho que a ficção II

Começou desviando o olhar daquele seu aluno no cinema. Como forma de esquecer um dos capítulos da tragédia. E mesmo depois do fim, perturbado e já na avenida, teimou em não vê-lo. Pra quê?

mais estranho que a ficção

Não haverá mais corda. O livro ora rasgado será reescrito a partir do fim.

revolução

A poeira me será leve, eis uma resolução.

alquimia

Goma laca serenou em lua cheia, resina de uso no dia raiado. E selou envelopes endereçados aos antigos hábitos. Um hálito específico por correspondência, significantes. O terreno sagrado ainda úmido de sal. Esta alegria transmutada de recônditos, na ensolarada...

aurora

Hoje eu sei que podem florir cada um daqueles três cavalos azuis. Na indiferença da chuva de confetes e daquelas duas réguas metálicas. No interior dos vários pássaros gigantes que sobrevoam o meu mar de rosas. Hoje eu gostaria de experimentar um daqueles pastéis de vento cuja alegria não se resume ao simples desabrochar do lilás nos seus cabelos. Em cada pataca no bolso cintila o aroma amargo de uma madeira vermelha qual limão maduro. De nada me serve acelerar o velho carro que apodrece de beijos no quintal inundado. Já não há mais branco disponível no armazém da cidade. Meu sonho insiste em nadar numa piscina de bolinhas. Vou na frente de mim mesmo.

novo

um hiato
....traço
....simples
flutuar

adeus 2

A covardia machuca mais que qualquer atitude.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

soma

sua voz o fez suar

fácil

mosaico de cacos de vidro
(tarefa de cirurgião plástico)
com olhos de policarbonato

era uma vez

Resolveu abandonar o roto bloco de anotações por um caderno novinho em folha, em que escreveria uma nova história, com personagens adaptados do original. Ainda não sabia do fim se feliz, tampouco como sair do branco-folha. Sentou-se na escrivaninha com medo e abriu o vidro já açucarado de tinta sépia para molhar a pena. Dedicou-se.

tilt

Entrou em colapso depois de algumas voltas.
Já não aguentava mais aquela montanha russa.
Travou entre um desce e um sobe, bem na curva.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

veneziana

no lapso o encanto
encontro às avessas
(desde) nada mais claro

encontros e despedidas

adversidade a diversidade

rodateto

Enquanto patinava ao rés-da-laje, suas idéias vinham cambaias. A saída lhe foi uma eversão intestinal. Desentranhou pensamentos pelo reto.

vez ou outra

O príncipe colecionava histórias vividas na cabeça de memória que não era boa. Preciso contá-las rapidamente, reinvenção no delas saber. O resto coisa perdida, memorada sem sentido mais. Índole de sentir: sentia frio.

serenou

"Quem é do mar não enjoa"

segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

caroço

Depois de comer uma carriola de mangas, o menino amarelou.

mijo a carioca

Copacabana cheira creolina.

abandono de férias

Chegada da viagem longa, entrada pela noite. Na casa de praia há muito sem vida, a despensa vazia. Sorveu por furo de faca todo o conteúdo da lata de seleta, cujo prazo de validade desbotara. Foi dormir com sede, a água da torneira era marrom. Acordou com pesadelo no meio da noite. Correu ao banheiro mas não deu tempo: ali no corredor ela vomitou um suflê de legumes.

(da série poesia na rua, 12

15:12/08.jan.07 - funcionário público sobre laudo técnico de prestadora de serviços)

- Você está sabendo da necessidade de troca de peça em virtude do desgaste da máquina de ar-condicionado?
Ele indignado:
- Tá certo! Mas tudo tem um causo pra causar...

domingo, 14 de janeiro de 2007

segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

matrimônio à italiana

Se tivesse muito dinheiro casava vestida de noiva, em Roma. O marido seria o mesmo. Eu seria convidado pra festa, na rua talvez. Desejo que ela ganhe na loteria.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

filho da puta

Comprou uma daquelas espingardas de paintball e muita munição pink. Saiu atirando pra todo lado só pelo prazer de manchar o outro.

no nada

Ele era incapaz de sutilezas. Ela o cobrava por isso. Ficou também sem a truculência.

vendedor de alma

Veio caminhado sedutor e faceiro de dentro da loja de artigos esportivos para quem não pratica esportes, como eu. Descontos incríveis, corte de cabelo moderno, sorriso franco e falso, o braço estendido em frente ao corpo.
Fechei-me e disse:
- Eu não te conheço, não vou lhe dar a mão.
Ele me olhou desconcertado. E eu na saída, de maneira cortês:
- Obrigado!
(Parte de minha educação pela pedra).

quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

toalha branca

Após violento atropelamento deu entrada num hospital da rede Sarah. Hoje passou pela primeira sessão de fisioterapia, depois de dias sedado. Deve reaprender tudo, será lento o caminhar. Não tem medo nem sabe do tempo. Terá o melhor tratamento possível.

(da série poesia na rua, 11

16:30/04.jan.07 - louca de botas no boteco)

De pé no balcão, em alto e bom som:
- E você acha que o real é alguma realidade?

terça-feira, 2 de janeiro de 2007

virou

Houve época em que desejei colecionar cardápios. São fonte inesgotável de erros ortográficos e incoerências comerciais. Sempre me diverti tentando desvendar seus mistérios de conteúdo, de maneira até a tirar algum proveito financeiro disso: assim que em dada padaria pedia no desjejum um pão na chapa com complemento de queijo, matade do preço de um queijo quente.
Na segunda noite do novo ano diverti-me a valer com um destes exemplares ontológicos, contendo entre outros acepipes brusquetas douradas ao aroma de tomate e alho, servidas com alho poro em Juliana (sic), totalmente traduzido para o inglês: gratinado ao forno virou baked in a hot place, e escondidinho little hidden. Melhor que isso, só as informações dos garçons.