sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

resoluções

Foram emoldurados antes do fim de ano, guardados no armário.
Estarão na parede ano que vem, ao lado de outros quadros.

(da série poesia na rua, 10

14:10/27.dez.06 - vizinha)

Entrando, esbaforida:
- Mas há sexos que estou esperando esse elevador!

argumento

Ter coragem é agir com o coração.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

no comércio 3

Não lhe bastou o lanche à beira estrada. Assim que aportou na rodoviária correu ao Restaurante Mata Fome. Deglutiu às pressas um pê-efe bem guarnecido.

terça-feira, 26 de dezembro de 2006

no comércio 2

Sentia-se especialmente feia naquele dia. Avistou de dentro do carro o letreiro e freou bruscamente. Entrou no Cabelereiros Star Bella e solicitou um dia da noiva.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2006

no comércio

E num momento cansado ele leu na folhinha sobre a mesa: Floricultura D'lírios. Atendimento 24 horas. Correu para lá e encomendou sua própria coroa.

domingo, 24 de dezembro de 2006

umbigada

As reuniões correram tranqüilas, apesar da preocupação do prefeito. Alguns vereadores estiveram ausentes. Nas mesas de negociação sairam negócios, ora pois. Não se falou de política mais que o mínimo protocolar. Inevitável a pergunta: em tempos nebulosos o que ainda será de esquerda, além do coração?

sábado, 23 de dezembro de 2006

andarilho

O processo era de purgação. A manhã era de outono. A vontade era de primavera.
Acordou no meio da noite, com a cabeça rodando e um nó bem grande na garganta. Do alto de sua inconsciência, tomara a decisão: seu destino seria aquele, independentemente do custo. À maneira do poeta tomou seu guaraná em pó dissolvido em água e pôs-se a caminhar. A estrada seria longa, às vezes deserta como na estória infantil.
Tomou o cuidado de não deixar pegadas e nem olhar para trás. Nunca mais voltou.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

perto

De quatro ninguém é normal!

L'ÊTRE AVANT LA LETTRE

]Paulo Leminski
...la vie en close
c'est une autre chose
.
.c'est lui
..........c'est moi
...................c'est ça
.
....c'est la vie des choses
.qui n'ont pas
..................un autre choix

(tênis branco)

a saia era em tecido enviesado
pena a falta do sapato envernizado

amor reflexo

(e ele fez a barba no espelho decorado com batom)

sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

forró

Hoje dançaremos ao som de Sivuca!

sertão

Quando o compadre abriu o panelão para servir estava lá, o crânio do macaco sorrindo.

frenetica attività

O giro do motor fica mantido sempre alto, que assim não se fadigam os pistões.

insônia-mor

O tempo coagulou na sangria desatada dos dias como há anos.
As respostas são novas depois de perdidas as mensagens.
O dia ensolarou diferente da noite em claro esplendor.
As músicas tocarão bem alto de agora em diante.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

atendimento vip

A vida urbana anda cada vez mais difícil, nem com algum dinheiro no bolso a coisa se resolve.
Nas boas padarias já não tem mais leite A; quando há, o prazo de validade é o de hoje, ou contente-se com o longa-vida mesmo.
Nas boas farmácias falta o antibiótico genérico; o de laboratório consagrado é bem mais caro, mas se chorar a gente tira o excesso do lucro embutido no preço e dá 20% de desconto.
Nas boas livrarias a seção de poesia não ocupa mais que duas prateleiras; é possível encomendar, compre pela internet.
Nas boas papelarias o papel fotográfico fosco para impressão dupla face sai pouco; temos então a meta de venda mensal e a incrível quantidade de um pacote na prateleira, estoque a gente não mantém.
Eu posso estar verificando no sistema... Vai pra puta que o pariu!

quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

réveillon capixaba

Lá em Vila Velha a festa de fim de ano da classe média (termo caindo em desuso no país, significando as pessoas que nem são pobres e nem são ricas) acontece diferente. Famílias pequeno-burguesas (termo em total desuso) reúnem-se em tendas montadas na areia da praia, loteando toda a orla com festinhas particulares no dia trinta e um.
Na casa da avó de uma amiga canela-verde os parentes dividem-se por idade: há a mesa dos adultos (na qual são permitidos já alguns primos de dezessete) e a mesa das crianças, verdadeira algazarra. Em encontro familiar recente, a ala adulta deliberava as funções de cada um na preparação do tão aguardado réveillon: Fulano cuidará do isopor, Sicrano da comida, Beltrano da montagem da tenda, etc. O clima era estranhamente calmo até que o priminho soltou o grito lá da ala infantil:
- Eba, suruba familiar! É, suruba!!!
Os mais velhos se entreolharam, pasmados com o comentário do garoto de cinco anos. Minha amiga perguntou pro tio:
- Mas ele sabe o que é isso?
- Que nada, outro dia ele me perguntou que comida era esse tal de cabaço, que todos os seus colegas de escola queriam experimentar...
E prosseguiu inabalado, voltando-se para o filho:
- Normalmente uma pessoa faz sexo com uma outra, não com todas ao mesmo tempo. Suruba...
O garoto ficou assim vermelhinho. Com os olhos esbugalhados, levou a mão à boca.

tempo circular

nem menos pesado nem mais leve
nem mais triste nem menos feliz
sem mais nem menos
com a real certeza (no telefonema)
de que continuo o mesmo, mesmo outro.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

profecia

Ela tem aquela uma tatuagem ali em cima da cicatriz, além de todo resto.
Mas nada mais resta, fora a mixa expectativa da visita que não sei minha.

alva

Encontrei-o três vezes seguidas, em três dias consecutivos. Uma na farmácia, duas no elevador. Ele perguntou-me dela. Eu lhe contei, ele nem quis ouvir, triste. Uma moça inteligente, minha senhora gosta muito dela...

smirnoff à gulliver


E então os pequenos habitantes de Liliput soltaram uma a uma as amarras que prendiam Gulliver à terra, num trabalho paciente e demorado.
E todos dançaram e cantaram a noite toda, bebendo grandes-pequenas quantidades de uma bebida clara, cristalina.
A Gulliver foi dado experimentar uma pequena garrafa dessa bebida.
Sob o olhar atento de todos, Gulliver experimentou, sentindo um leve roçar em sua língua.
Um dos pequenos habitantes, através de um mímica desajeitada que a todos fez rir, explicou a Gulliver que a bebida era boa porque, por mais que ele bebesse, continuava sem nenhum hálito denunciador.

sábado, 9 de dezembro de 2006

sábado, P. S.

Clico o mouse com dificuldade. O dedo adormecido. Recebi um recado pelo celular: cuzões! Liguei imediatamente para o cara e mandei-o para a puta que o pariu. Eu estava saindo do hospital, depois da costura. Está melhor? Perguntou em outro tom. Sim, agora já posso enfiá-lo no seu cu! Dez dias sem beber, pelo antibiótico. O senhor já tomou? Tem alergia? Olha aqui doutor, eu conheço aspirina e novalgina. E não toma outros nem para outros fins? O mundo anda bem louco, ou a minha cara. O canivete presenteado pelo tio dela fechou no indicador. Meu aluno (amigo) bem que previu. Hoje vesti minha fantasia de professor pela última vez no ano. Dentro do possível, o exercício final e tardio do curso até que deu certo. Mérito dos poucos sobreviventes. Este ano precisa acabar. Minha garganta dói. Depois de uma semana bêbada, terei minha desintoxicação obrigatória e o pior, meu aniversário no meio. Ontem tive um encontro esperado e inesperado. O telefonema matutino foi também assim. Uma amiga me disse há três meses atrás do meu coração generoso. Um vagabundo, isso sim. Generosas são algumas mulheres que ele conheceu. Ainda não cheguei em casa, parei aqui pra virtualizar. Mandei convite, mandou também emeio ela. Almocei tchulant no Bom Retiro, lembrei-me da fabada asturiana em Madri. E que pudim aquele... Comprei um quilo de sonho de valsa. Cheguei às dez, só eu. A namorada dele é muito bonita, tomara que ele não volte a beber. Aprendi um novo nó, isso me emociona. A menina foi direto da balada pra montagem. Eu sai antes de acabar, deixando para trás uma trilha de pontos vermelhos. Agora terei uma cicatriz. Antinflamatório, antitetânica. Meu dedo ainda sonha!

sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

de saída

Vou encontrar-me com o prefeito!

comentários

A amiga mesmo comentou do perigo do lugar. Na escola, comentaram também de seu cabelo crescido. Ele quase entrou de novo na igreja de Nossa Senhora Auxiliadora. Os troianos reuniram-se naquele bar. Esqueceu-se do aniversário do amigo. Ela arrumou confusão com o namorado. A Augusta parou pela chuva. Encheu a cara dois dias seguidos. Farão cabeças cada um a sua. Montagem de exposição enfim. Perguntaram-lhe da separação. Ele revelou seu segredo (ou o segredo dela) pro outro amigo. No sábado, bem capaz que se encontrem. Madrugada, internet pegou. Viram tudo da janela ontem. Trocaram as janelas daquela outra escola. No aniversário ele vestirá camisa nova. Combinaram um bingo qualquer dia. Até que se portaram bem frente aos cegos. Carne seca duas vezes em horas. Cedo tem de novo o pessoal. Sem dinheiro pra faxina de amanhã. Precisa confirmar o local e encomendar a torta. Será dele o elogio? Quanta saudade!

quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

D. Yvone

Sonho acalentado há anos é esta minha secretária: senhora de meia idade, seios fartos, braços fofos e colo macio. Com ela a cobrança virá em boleto. Cuidará como ninguém do prosaico precipitando toda solução a qualquer problema. Com voz grave pronunciará, reiteradas vezes, a seguinte frase:
- Sr. Humberto, desculpe-me: tomei a liberdade de pagar suas contas que venciam ontem.

merry christmas


quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

curto

(achei que luz do banheiro)
dedo no interruptor, poc na lâmpada

Antônio

Ele chegou assim por emeio. Trouxe consigo lembranças de outrora. Salve!

encontro

Eles se conheceram quase que ali, no desembarque do aeroporto. Tinham trocado correspondências por um tempo. Entre um e outro abraço o deles, demorado (sentiram-se os cheiros). Ele trouxera na mochila, em embrulho caprichado, um coração de pedra, que ela deveria pendurar em casa. Ela trouxera na mala, entre recordações de viagem, um disco de Bob Dylan, que ele deveria ouvir bem alto. Despediram-se ali mesmo. No andar superior, era a vez do embarque dele.

terça-feira, 5 de dezembro de 2006

três retratos divertidos

Àquela época eles frequentavam cabine de foto automática.

enxurrada

Chovia a cântaros (há dias que pesam mais que outros).
Vou riscar da folhinha a data, já tirei você do dicionário.
Pitangas apodreceram em lágrimas, rosas secaram em livros.
Hoje vesti minha camiseta da memória, arranquei-lhe a etiqueta.
Mormaço (dentro e fora), tudo cinza.

cinema mudo

Em frente de casa há uma locadora, na rua mora muita gente.
Lá tem televisão na vitrine, passa sempre um filme qualquer.
Um dos moradores da rua, toda noite, vai ao mini-cinema.
Carrega um sorriso largo, indisfarçado pela barba hirsuta.
Elegante, veste camisas floridas e penteia-se para a sessão.
Acompanha cada uma cena ao passo em que caminha miúdo.
Adivinha cada um diálogo enquanto movimenta o maxilar.
Seu saco fica ali no chão, esquecido para sempre àquela hora.

pedras matutinas

Porque tinha baixa a calça e pesada a mochila, ralou todo o cóccix!

segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

rola-bosta, por Manoel de Barros

para a Srta. Mingus
.
"Besouro só entra em amavios se encontra a fêmea dele vagando por escórias."
:
"Besouros não ocupam asas para andar sobre fezes."

indolor, 3

Por estar duro como uma pedra no ermo e por já não sentir mais dor alguma, devo estar morto.

indolor, 2

Por ser o momento impróprio e por não saber mais das propriedades do tempo, devo estar morto.

indolor

Por ter já despencado da corda bamba e por não haver rede de segurança, devo estar morto.

sábado, 2 de dezembro de 2006

águas de lindóia






quando se está perto

as noites azulam enluaradas na janela para o mar
os dias amarelecem como golfinhos brincando nas águas
um cheiro esverdece maduro sob a unha rente do indicador
esta massa cinzenta rosifica-se no hipotálamo de lírios
distância de quem descoloriu o mundo fica maior